RESUMO: Este estudo aborda o papel dos direitos autorais no âmbito da rede mundial de computadores. É sabido que, com a aproximação de fronteiras, acompanhada da explosão da comunicação humana e, consequentemente, da internet, o direito ao livre acesso à informação e os direitos de autor se encontram em constante tensão no espaço online. Pretende-se, portanto, refletir, no presente trabalho, acerca da maneira pela qual o direito ao livre acesso à informação e o direito à proteção dos direitos dos autores são realizados atualmente e também como a conciliação desses direitos pode ser construída e reconstruída no âmbito da rede mundial de computadores, para a promoção de ambos. Quanto à metodologia, tem-se que a pesquisa a ser realizada é descritiva e exploratória. Por fim, poderá se concluir que, enquanto tentativa de solução da questão, sugere-se a ponderação no caso concreto, por meio do princípio da proporcionalidade, por ser esta a técnica que atenta às peculiaridades de cada situação, dificultando injustiças e saídas radicais que afastem por completo um ou outro princípio
Palavras-chave: Direitos Autorais. Rede Mundial de Computadores. Internet. Princípio da Proporcionalidade.
ABSTRACT: This study addresses the role of copyright in the global computer network. It is well known that, as frontiers approach, accompanied by the explosion of human communication and, consequently, the internet, the right to free access to information and copyrights are constantly under tension in the online space. It is therefore intended to reflect, in the present work, on the way in which the right to free access to information and the right to the protection of authors' rights are currently realized and also how the reconciliation of these rights can be built and reconstructed within the scope of the world-wide computer network, for the promotion of both. As for the methodology, it is necessary that the research to be carried out is descriptive and exploratory. Finally, it may be concluded that, as an attempt to resolve the issue, the consideration in the specific case is suggested, by means of the principle of proportionality, since this is the technique that attentive to the peculiarities of each situation, hindering injustices and radical completely depart from one or another principle.
Keywords: Copyright. World Wide Web. Internet. Principle of proportionality.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Direito ao livre acesso à informação na internet – 3. Direitos de autor e a sua proteção no âmbito da rede mundial de computadores – 4. Ponderação entre direitos autorais e livre acesso à informação – 5. Considerações Finais.
1 INTRODUÇÃO
Com a globalização, a evolução da sociedade, as revoluções tecnológica, política e econômica, entre outros fenômenos modernos, nos últimos séculos, houve uma aproximação de fronteiras, acompanhada da explosão da comunicação humana e, consequentemente, da internet, a qual se traduz como um amplo processo de trocas online, englobando desde comunidades virtuais e pesquisas, até educação, cultura, lazer, entre outros.
Nesse cenário, é intenso o desenvolvimento da difusão de informações a custos baixos. Nunca foi tão fácil e rápido obter, criar e divulgar qualquer tipo de informação. A tendência é que tudo seja democratizado, visando o livre acesso à informação, princípio fundamental de um estado democrático de direito.
No entanto, a partir daí, é imprescindível a estruturação de meios aptos a tutelar as novas relações que surgem, uma vez que se desenvolvem condutas humanas das quais o direito vem se ocupar, como o fato de o espaço da rede mundial de computadores se estruturar com obras protegidas pelos direitos de autor.
Assim, o direito ao livre acesso à informação e os direitos de autor se encontram em constante tensão no espaço da internet.
Pretende-se, portanto, refletir, no presente trabalho, acerca da maneira pela qual o direito ao livre acesso à informação e o direito à proteção dos direitos dos autores são realizados atualmente e também como a conciliação desses direitos pode ser construída e reconstruída no âmbito da rede mundial de computadores, para a promoção de ambos.
Para tanto, no primeiro tópico, far-se-á um exame do direito ao livre acesso à informação, abordando o seu conceito, limites e peculiaridades, notadamente quanto a conteúdos online. No segundo tópico, tem-se uma análise do direito autoral na internet.
Isto permitirá, em um terceiro tópico, trazer à baila algumas questões concretas, como exposição da legislação e de julgados nacionais relacionados ao assunto, as quais apontam para a relevância e complexidade do tema, evidenciando a importância de uma ponderação entre o direito ao livre acesso à informação e os direitos de autor.
Quanto à metodologia, tem-se que a pesquisa a ser realizada é descritiva e exploratória, uma vez que se dirige a elucidação do assunto exposto. A abordagem será de cunho conceitual, histórico e exploratório, analisando os fatos importantes que dão sustentação aos aspectos do trabalho. No decorrer das abordagens, pelos métodos dialético e indutivo, serão analisados os reflexos contemporâneos e as possíveis respostas à questão.
No mais, o estudo terá como fundamento as pesquisas bibliográfica e documental especializadas, visto que serão feitas consultas a livros e produções acadêmicas sobre o assunto, tais como artigos científicos, teses e dissertações, além da legislação pertinente.
Por fim, destaca-se que não se pretende esgotar tão ampla temática com as presentes singelas linhas, mas tão somente incentivar os estudos e as pesquisas sobre os Direitos de Autor.
2 DIREITO AO LIVRE ACESSO À INFORMAÇÃO NA INTERNET
O acesso à informação é um direito previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, bem como no artigo 37, inciso II, §3º, e no artigo 216, no §2º, todos da Constituição Federal Brasileira de 1988[1].
Inicialmente cumpre esclarecer que o acesso à informação pública não se confunde com o direito à informação, já que, segundo Marcela Besterra[2], este último é um direito individual, inerente ao ser humano, e é exercido a favor dos particulares, enquanto aquele nasce com o Estado, tem natureza pública e visa o exercício da cidadania.
No mais, para Airton Seclaender[3],o direito à informação pode seguir a concepção de direito autônomo, sendo entendido enquanto liberdade de transmitir e comunicar, ou ainda tal direito volta-se a uma ideia derivada, de direito a ser informado, ou seja, de procurar e receber conhecimento.
Nesse sentido, tem-se, no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o conceito de direito à informação, pelo qual:
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.
Fica claro, dessa forma, a natureza ampla e volúvel do direito à informação, o qual se movimenta tanto na forma ativa (busca da informação), quanto na forma passiva (recepção da informação).
Destaca-se que o que nos interessa eminentemente é o direito à informação de natureza privada, pois é este que traz repercussão jurídica no âmbito dos direitos autorais quando exercido no espaço comum da rede mundial de computadores
Ademais, o direito à informação é um direito universal, inviolável e inalterável, uma vez que está fundado no princípio da dignidade da pessoa humana.
É por meio do direito à informação que se garante a liberdade de manifestação de pensamento e o acesso de todos à informação. Trata-se de um direito fundamental, inerente à pessoa humana, reconhecido e positivado na ordem constitucional.
Ocorre que tal direito não é absoluto. Deve-se atentar aos limites morais e, principalmente, jurídicos por ocasião da liberdade de informação, uma vez que tal direito não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações ilegais ou tampouco deve ser utilizado para justificar práticas ilícitas, desrespeitando direitos alheios.
Nesse sentido, o direito à informação está sujeito aos limites imanentes dos direitos fundamentais, os quais, para Vieira de Andrade[4]
são limites máximos de conteúdo que se podem equiparar aos limites do objeto, isto é, aos que resultam da especificidade do bem que cada direito fundamental visa proteger, ou melhor, na parcela da realidade incluída na respectiva hipótese normativa.
Segundo esta teoria, os direitos fundamentais encontram limites neles mesmos, por serem relativos e limitados, mesmo que não sejam submetidos a limites legais impostos pelo legislador.
Dessa forma, não existe direito absoluto dentro do sistema jurídico. Na realidade, fala-se em ponderação de direitos e liberdades para a manutenção da unidade do ordenamento.
Dessarte, as liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na legislação.
A título de exemplo, tem-se que o Decreto nº 7.724 de 16 de maio de 2012[5] que impõe marcos legais a serem necessariamente observados, como a disciplina dos procedimentos para o acesso às informações públicas e as exceções ao livre acesso às informações nas hipóteses de sigilo bancário ou segredo de justiça.
Tal decreto, da mesma maneira que a Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014[6], conhecida como Marco Civil da Internet, emerge em meio à crescente escalada da rede mundial de computadores, ferramenta relativamente recente que proporcionou enormes mudanças na comunicação e na distribuição em grande escala de qualquer tipo de informação.
Enquanto o Decreto se propõe a dispor sobre o acesso à informação garantido constitucionalmente, a Lei tem o intuito de estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para os usuários da internet. Ambas as legislações são nacionais e contém dispositivos destinados à regulação do acesso e compartilhamento de informações online.
Não se pode negar os avanços que a inserção no mundo digital representou. A tecnologia e a internet trouxeram inovações e possibilidades antes inimagináveis.
Houve alteração dos alicerces do ordenamento jurídico. A internet tem provocado uma mudança sem precedentes nas estruturas da comunicação e da informação.
No entanto, com esse desenvolvimento veio também uma ampla problemática que está relacionada ao acesso a informações e ao compartilhamento delas, questão esta que está presente no Brasil e no mundo.
Isso ocorre pelo fato de a divulgação, a coleta, a troca e o acesso de informações na internet serem imediatas. Assim sendo, filmes, músicas, programas de televisão, clipes, programas de computador, obras audiovisuais e outros tipos de dados são baixados a todo o momento, muitas vezes até mesmo sem regulação, propiciando, dessa maneira, ofensa aos direitos de autor.
Neste diapasão, para Thales Lordão Dias[7]:
O fato é que música e filme se globalizaram. Os meios de reprodução de som, imagem e texto, em geral, e a internet, em particular, banalizaram o acesso aos bens culturais e artísticos. Os sítios eletrônicos para download de áudio e vídeo aniquilaram a propriedade de discos e filmes, tornando obsoletas as formas de controle de direitos autorais existentes. A Internet é, pois, um marco a favor da cultura e da educação, devido à facilidade de difusão do conhecimento. No entanto, do mesmo modo, é fértil terreno para a proliferação das mais inimagináveis artimanhas dedicadas à violação de direitos autorais.
Percebe-se, portanto, que, se por um lado, o compartilhamento livre de informações no universo da internet possibilita a plena realização do direito fundamental do livre acesso à informação, por outro lado, pode representar transgressão aos direitos de propriedade intelectual dos autores.
Então, faz-se imprescindível seguir para o estudo dos direitos de autor.
3 DIREITOS DE AUTOR E A SUA PROTEÇÃO NO ÂMBITO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES
Segundo Alexandre Libório Dias Pereira[8], os direitos de autor são uma forma de propriedade intelectual destinada a proteger, de maneira exclusiva, obras artísticas e literárias geradas por pessoas humanas no exercício da liberdade de criação cultural.
Já para Cezar Roberto Bitencourt[9], o direito autoral consiste em benefícios, vantagens, prerrogativas e direitos patrimoniais, morais e econômico provenientes de criações artísticas, científicas, literárias e profissionais de seu criador, inventor ou autor.
Logo, em síntese, o direito de autor consiste em uma série de prerrogativas legais protetivas, destinadas a pessoas físicas ou jurídicas que desenvolvem obras intelectuais, dividindo-se em direitos morais e direitos patrimoniais de autor. Os primeiros garantem a autoria da criação intelectual do autor, enquanto os segundos se destinam a resguardar a devida utilização econômica da obra.
Destaca-se que, em regra, o autor pode utilizar a sua obra da maneira que desejar, bem como autorizar que outros a utilizem, total ou parcialmente.
Acontece que, na hipótese de não haver prévia autorização, o indivíduo que realizou o uso, a reprodução, o compartilhamento ou a alteração da obra estará violando os direitos de autor.
Diante da relevância do assunto, no direito brasileiro, a proteção aos direitos de autor está consolidada em diversas fontes legislativas. No direito penal tem-se o artigo 184 do Código Penal[10] e na legislação ordinária as principais referências são a Lei de Direitos Autorais[11] e o Marco Civil da Internet[12], os quais visam atualizar e consolidar a legislação sobre o tema.
Por sua vez, até mesmo a Constituição Federal[13], sem seu artigo 5º, inciso XXVII, assegura que o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras pertence aos autores, sendo este direito transmissível aos herdeiros, pelo tempo que a lei fixar.
Assim sendo, os direitos de autor têm natureza de direito fundamental. E a sua proteção constitucional, no Brasil, remonta à Constituição de 1891[14], em seu artigo 72.
Por sua vez, no mundo moderno, a origem dos direitos de autor alude ao período em que surge a imprensa, no século XV, enquanto nova atividade lucrativa. O exercício da impressão dependia, então, da autorização do rei.
Assim, os direitos de autor foram inicialmente pensados e estabelecidos em um período em que não havia desenvolvimento tecnológico e científico apto a viabilizar, de maneira tão acelerada, o compartilhamento, a imitação ou a alteração dos conteúdos autorais a tantos indivíduos.
Na contemporaneidade, diante do novo panorama exposto anteriormente neste trabalho, o qual envolve principalmente o surgimento da internet, foi necessário ampliar os direitos de autor, buscando inviabilizar o acesso ilimitado e irrestrito à informação.
No entendimento de Nathália Ceratti Scalco[15], essa nova dimensão tecnológica demanda uma reconstrução das normas protetivas dos direitos de autor e enfatiza o embate entre a liberdade de expressão e o direito autoral, especialmente no que concerne ao direito patrimonial do autor. Colocam-se na balança os limites de proteção ao direito do autor e as garantias da coletividade.
Neste diapasão, é certo que a nova estrutura global de comunicação exige uma ênfase na proteção em torno dos direitos de autor, porém, faz-se necessário estabelecer limites, uma vez que o direito fundamental à liberdade de expressão não pode ser completamente restringido.
Além disso, a própria sociedade tem se organizado e tomado partida em torno desta colisão de direitos. A indústria e os empresários que lucram com a propriedade intelectual, assim como os próprios autores, têm pressionado cada vez mais as autoridades governamentais para robustecer a proteção aos direitos autorais, uma vez qualquer violação a estes direitos significa prejuízo financeiro.
Há investimentos maciços em mídia e lobby, objetivando que a indevida cópia, compartilhamento ou reprodução de conteúdos autorais seja tratada como delito mais gravoso. As indústrias da música e do cinema também objetivam o bloqueio total dos sites que firam direitos de autor.
Em contrapartida, tais ações estimulam reação dos populares, voltada à garantia do livre acesso à informação e da liberdade de expressão.
Na realidade, este debate precisa ser feito com calma e profundidade, abordando todos os diferentes interesses em jogo, desde o direito dos cidadãos até os direitos dos autores.
Qualquer solução acelerada, como pressionam as indústrias e alguns autores no Congresso Nacional, pode não solucionar o problema, além de ser arbitrária e inconstitucional, por violação a garantias constitucionais dos seres humanos.
Como exemplo, tem-se a Proposta de Lei nº 169 de 2017[16], a qual possibilita a suspensão do funcionamento ou o bloqueio de acesso aos sites que violam os direitos de autor.
Visualiza-se dois problemas principais na medida. Inicialmente, o mero bloqueio ou retirada do ar dessas páginas online não resolve a problemática, pois, hoje, logo que tais plataformas são removidas, instantaneamente outras são criadas.
Em segundo lugar, a lei permitiria que sites voltados ao compartilhamento de arquivos entre pessoas se tornassem inacessíveis no Brasil, ainda que eles não sejam usadas exclusivamente para dividir materiais que representem ofensa aos direitos dos autores. Esta atitude viola o direito ao livre acesso à informação, ampliando ainda a exclusão cultural e, principalmente social do povo brasileiro.
Dessa forma, faz-se necessário lançar um novo olhar sobre os direitos de autor e a sua relação com a liberdade de expressão, pois há evidente colisão entre tais preceitos fundamentais, notadamente no espaço da rede mundial de computadores. Soluções imediatistas e imponderadas são, no mínimo temerárias, e tendem a não elucidar a questão.
4 PONDERAÇÃO ENTRE DIREITOS AUTORAIS E LIVRE ACESSO À INFORMAÇÃO
Por todo o exposto até aqui, percebe-se que os direitos fundamentais de autor e do livre acesso à informação se encontram em constante tensão e, em busca da solução do conflito, para dizer o que será válido ou não, sugere-se a aplicação da técnica da ponderação no caso concreto.
De modo a possibilitar a explanação dessa técnica, inicialmente cumpre diferenciar princípios e regras.
No universo jurídico, as normas (gênero) se dividem em princípios e regras (espécies). Para Luís Roberto Barroso[17], as regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações.
Assim, as regras trazem um enunciado fechado que deve ser enquadrado ou não a uma situação de fato para a sua aplicação, pelo mecanismo da subsunção, de modo direto e automático. Elas são válidas ou inválidas a um determinado caso concreto.
Por sua vez, os princípios possuem um maior grau de abstração e generalidade. São mais amplos e, por vezes, indeterminados. Quando aplicados, então, não determinam uma conduta cerrada a ser seguida, podendo abranger inúmeras aplicações.
Ademais, conforme Alexy[18], as diferenças entre princípios e regras são mais evidentes durante a sua aplicação. As regras conflitam entre si, por possuírem enunciados mais fechados e objetivos. Já os princípios colidem, diante das suas incontáveis possibilidades de significação, e são aplicados pela técnica da ponderação, podendo haver a aplicação de vários princípios com pesos diversos, ao mesmo caso concreto, a depender da relevância ou do peso de cada um na circunstância analisada.
Nesse sentido, dado que os direitos de autores e ao livre acesso à informação são fundamentais, amplos e gerais, conforme exposto, devem ser aplicados tal como princípios diante de uma colisão. É necessário compreender que tais direitos não são incompatíveis, mas concorrente entre si.
Logo, um não invalida por completo o outro, na realidade, deve-se avaliar, pela ponderação, a importância e o peso de cada um no caso, conforme Dworking[19].
Dessa forma, a ponderação é uma técnica de decisão da colisão entre princípios, realizada a partir do princípio, ou postulado, da proporcionalidade.
Para Humberto Ávila[20], a proporcionalidade se caracteriza pelo fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com que são levados a cabo.
Não se trata, portanto, de fazer escolhas arbitrárias entre um direito e outro, como com o bloqueio de páginas online, mas de usar operações inteligentes para justificar a não aplicação total de um direito ocorre pela importância dada ao outro direito.
No Brasil, parte dos julgadores já adota a técnica da ponderação, mesmo que por vezes não utilizem expressamente essa nomenclatura. É possível, assim, verificar decisões umas vezes favoráveis ao livre acesso à informação e outras aos direitos de autor, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça[21].
O colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu recurso especial em que se discute os limites da responsabilidade dos provedores de hospedagem de sites de relacionamento social pelo conteúdo das informações postadas por cada usuário, notadamente aquelas violadoras de direitos autorais, assentando que a verificação de ofício do conteúdo das mensagens postadas por cada usuário não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de sites de relacionamento social, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não exerce esse controle, sendo mencionado que não se pode exigir do provedor de site de relacionamento social a fiscalização antecipada de cada nova mensagem postada, não apenas pela impossibilidade técnica e prática de assim proceder, mas sobretudo pelo risco de tolhimento da liberdade de pensamento. Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação. Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de criação, expressão e informação, assegurada pelo art. 220 da CF⁄88, sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa. REsp 1396417⁄MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07-11-2013, DJe 25-11-2013
Dessa maneira, diante da colisão entre os direitos dos autores e a garantia da liberdade informação na internet, houve a preponderância da liberdade de informação, diante de uma análise de peso e importância dos direitos no caso concreto.
Em contrapartida, podem ocorrer situações inversas, em que a liberdade de expressão cede diante de outros direitos fundamentais, conforme decisão a seguir.
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. VÍDEO VEICULADO EM REDE SOCIAL. FACEBOOK. SERVIDOR PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA. CONTEÚDO REPUTADO OFENSIVO. REMOÇÃO DA PÁGINA INSERIDA NA PLATAFORMA ELETRÔNICA. FORNECIMENTO DOS DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO USUÁRIO (INTERNET PROTOCOL - IP). PRETENSÃO FORMULADA PELO ENFOCADO. DIFUSÃO DE INFORMAÇÕES INVERÍDICAS E OFENSIVAS À SUA HONRA E REPUTAÇÃO. ALEGAÇÃO. NOTÍCIA DIFUNDIDA. ABORDAGEM CRÍTICA. IMPUTAÇÃO DE CONDUTA ILÍCITA. PODER JUDICIÁRIO. EXAME VALORATIVO SUPERFICIAL. DIREITO SUBJETIVO DA PARTE EM ADOTAR AS MEDIDAS LEGAIS EM FACE DO RESPONSÁVEL. TUTELA ALMEJADA. PLAUSIBILIDADE. PLENO GOZO DAS LIBERDADES DE EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO. CONTROLE DE CONTEÚDO PÓSTUMO. CONSEQUÊNCIA LÓGICA. PRETENSÃO AUTORAL. ACOLHIMENTO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS AUSÊNCIA DE RESISTÊNCIA DO PROVEDOR. NECESSÁRIA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. SENTENÇA REFORMADA. 1. A liberdade de manifestação e opinião, como viga de sustentação do estado democrático de direito, não traduz exercício ilimitado do direito de expressão, encontrando limites justamente na verdade e no respeito aos atributos da personalidade do indivíduo, obstando que fatos sejam distorcidos e modulados de modo a induzir ilações que podem ou não serem condizentes com a verdade e afetarem de forma injustificada a intimidade, honra, bom nome e reputação do alcançado pela declaração, podendo, portanto, consubstanciar a manifestação assim emoldurada abuso de direito, e, portanto, ato passível de ser responsabilizado legalmente, ante os efeitos que irradia (CF, art. 5º, IV, V, IX e X). 2. A Constituição Federal, se por um lado protege a livre manifestação do pensamento e o sigilo, por outro, resguarda a vedação ao anonimato e o direito à indenização por eventual ofensa moral, resultando que, ponderadas as salvaguardas que usufruem da condição de garantias constitucionais, uma vez veiculada manifestação ou notícia reputada ofensiva que - conquanto encerrem fato de interesse político-social - não se limita à estrita narração e informação, ainda que legitimada pelo manto do anonimato fomentado pela rede mundial de computadores, ao ofendido deve, naturalmente, ser assegurado o direito subjetivo de perseguir as medidas cabíveis em face do ofensor, inclusive sua identificação. 3. Ponderada a liberdade de informação e de expressão com a vedação ao anonimato, sobeja ao ofendido por divulgação eletrônica o direito de valer-se da tutela judicial com o objetivo de ver removido o conteúdo tido como ultrajante da plataforma eletrônica e de identificar a autoria do veiculado, viabilizando, mediante a interseção judicial, a adoção das providências cabíveis em face do protagonista do difundido, devendo o provedor que hospedara e propagara a difusão reputada ofensiva ser compelido a tornar indisponível a página eletrônica e a fornecer os dados sigilosos do usuário responsável pela publicação, sob pena de responsabilização civil. 4.O proprietário, gestor e titular de provedor de hospedagem não ostenta lastro para, na exata modulação da liberdade de expressão que encontra respaldo constitucional (CF, art. 5º, IV, V e IX), submeter a controle prévio o que nele é hospedado pelos usuários da rede mundial de computadores, inclusive porque materialmente inviável a realização dessa censura prévia, obstando que seja responsabilizado pelas páginas eletrônicas, imagens, mensagens ou matérias ofensivas nele inseridas. 5.Sob a ponderação do princípio da liberdade de expressão, que compreende a inviabilidade de submissão do conteúdo hospedado a censura prévia, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser civilmente responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerador e disponibilizado na rede mundial de computadores se, diante de ordem judicial específica, ou, em se tratando de material contendo cenas de nudez ou ato sexual, após notificação prévia do envolvido nas difusões, não adotar as medidas destinadas a, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, consoante estabelecido pela Lei nº 12.965/14 (arts. 19 e 21). 6. Restringindo-se a permitir a hospedagem no provedor que fomenta qualquer conteúdo sem prévio controle, pois não lhe compete nem está municiado de lastro para atuar como censor prévio, o operador de aplicações de internet somente pode ser responsabilizado no molde legal pelo conteúdo hospedado, estando alcançado, contudo, pela obrigação de, diante de postulação judicialmente acatada, remover a página que contém conteúdo ofensivo e identificar seu protagonista, conforme a regulação vigorante, sob pena de, diante de eventual resistência, ser responsabilizado civilmente. 7.Aferido que a indisponibilização do conteúdo e permissão de acesso ao banco de dados cadastrais mantido pelo provedor de internet somente pode ser viabilizada mediante o crivo do judiciário, e, ainda, que não houvera resistência da parte acionada em acolher ulterior determinação judicial a ser proferida no sentido almejado pelo demandante interessado, o princípio da causalidade, ausente a atuação que deflagrara a lide e resistência à resolução do pedido, recomenda que seja alforriado dos encargos sucumbenciais. 8.Apelação do autor conhecida e provida. Pedidos procedentes. Sentença reformada. Unânime.
(TJ-DF 20160110450942 0011326-26.2016.8.07.0001, Relator: TEÓFILO CAETANO, Data de Julgamento: 22/03/2017, 1ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 29/03/2017 . Pág.: 184/207)
Segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal[22] a liberdade de manifestação e opinião, liberdade de informação enquanto liberdade de transmitir e comunicar, não se reveste de caráter ilimitado. Faz-se imprescindível atentar também aos atributos da personalidade do indivíduo, como os direitos dos autores.
Assim, com a aplicação da técnica da ponderação no caso concreto, tanto um quanto outro direito em colisão pode se sobressair e ser aplicado, a depender do seu peso e importância.
Entende-se que com este modelo arbitrariedades são evitadas, uma vez que a solução é construída e não se encontra fechada e pré-estabelecida em regras simplesmente objetivas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a evolução social e tecnológica, eminentemente no último século, houve a ascensão da rede mundial de computadores. Nela, compartilhamento, distribuição, cópia e reprodução de conteúdos foram facilitados de forma abundante.
Diante disso, foi verificada uma colisão entre os direitos fundamentais dos autores e ao livre acesso à informação no universo online.
É certo que a nova estrutura global de comunicação exige uma ênfase na proteção em torno dos direitos de autor, porém, faz-se necessário estabelecer limites, uma vez que o direito fundamental à liberdade de expressão não pode ser completamente restringido.
Diante deste cenário, enquanto tentativa de solução da questão, sugere-se a ponderação no caso concreto, por meio do princípio da proporcionalidade, por ser esta a técnica que atenta às peculiaridades de cada situação, dificultando injustiças e saídas radicais que afastem por completo um ou outro princípio.
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[2] BASTERRA, Marcela. El derecho fundamental de acesso alainformación pública. Buenos Aires: LexisNexis Argentina, 2006.
[3] SECLAENDER, Airton L. O direito de ser informado – base do paradigma moderno do direito de informação. Estudos e Comentários – RDP- 99. sl. 1991. P 148.
[4]ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra, 1987, P. 215.
[5]Decreto nº 7.724 de 16 de maio de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7724.htm>. Acesso em: 02/01/2019.
[6] Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014. Disponível em: . Acesso em: 03/01/2019.
[7] DIAS. Thales Lordão. A proteção dos direitos autorais na internet. In: MARQUES, Jader; SILVA, Maurício Faria da (Org). O direito na Era Digital. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 170.
[8] PEREIRA. Alexandre Libório Dias. Direitos de Autor, da Internet à Imprensa. Disponível em:. Acesso em: 10/01/2019.
[9] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Especial – Volume 3. São Paulo: Saraiva, 8ª ed., 2012, p.390.
[10] BRASIL. Código Penal Brasileiro de 1940. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 02/01/2019.
[11].BRASIL. Lei de Direitos Autorais. Disponível em:. Acesso em: 05/01/2019.
[12]BRASIL. Marco Civil da Internet. Disponível em:. Acesso em: 07/01/2019.
[13] Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 01/11/2018.
[14]Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguinte
...
§ 25. Os inventos industriaes pertencerão aos seus autores, aos quaes ficará garantido por lei um privilegiotemporario ou será concedido pelo Congresso um premiorazoavel, quando haja conveniencia de vulgarizar o invento.
§ 26. Aos autores de obras litterarias e artisticas é garantido o direito exclusivo de reproduzil-as pela imprensa ou por qualquer outro processo mecanico. Os herdeiros dos autores gosarão desse direito pelo tempo que a lei determinar.
[15] SCALCO, NatháliaCeratti. Direito Autoral e Internet (Encontros e Desencontros). Disponívelem:. Acesso em: 20/12/2018.
[16] BRASIL. Projeto de Lei nº 169 de 2017. Disponível em:< http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129368>. Acesso em: 05/01/2019.
[17] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6º. ed. rev., atual. e ampl.-São Paulo: Saraiva, 2004.
[18] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. Título original: Theorie der Grundrechte. P 124.
[19] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Trad. Luís Carlos Borges. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. P 122.
[20] ÁVILA, Humberto.Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4º. ed. Brasil: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2005.
[21] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:< https://tj-es.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/375974844/agravo-de-instrumento-ai-7327620148080006>. Acesso em: 10/01/2019.
[22] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Disponível em:< https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/444229004/20160110450942-0011326-2620168070001>. Acesso em: 10/01/2019.
Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará, com mobilidade acadêmica pela Universidade de Coimbra. Pós-graduanda em -Direito da Comunicação Social pela Universidade de Coimbra. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PONTE, Sarah Venancio. Direito autoral no espaço da rede mundial de computadores: entre o direito ao livre acesso à informação e os direitos de autor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /52671/direito-autoral-no-espaco-da-rede-mundial-de-computadores-entre-o-direito-ao-livre-acesso-a-informacao-e-os-direitos-de-autor. Acesso em: 29 dez 2024.
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